sábado, 8 de dezembro de 2007

Koto, um "dragão deitado na areia conversa com as ondas"

Eis alguns tópicos desenvolvidos em meus estudos e oficinas sobre o koto.
1. Preliminares
1.1 Questões de categorização do instrumento e gênero musical
1.1.1 etimologia: koto derivado do ch’in ou chêng?
•Representações do ch’in
“Dragão deitado na areia conversa com as ondas” (Tranchefort 1980:180)
“Em tempos remotos o instrumento era considerado uma incorporação do dragão sagrado (espírito das águas e das tormentas) e da fênix (pássaro de fogo), fontes místicas de vitalidade e fertilidade, que provavelmente figuravam na cerimônia religiosa.” (Lui 1980:181)
•Gênese do ch’in
[…] supõe-se que tenha sido inventado pelo filósofo e imperador Fu Hsi, o ‘grande iluminado’ (ca. 2800 a.C.), que ao observar um casal de fênix pousado nos galhos da árvore tung, construiu o primeiro kuch’in feito dessa madeira.
•Gênese do chêng
Duas irmãs disputavam pela possessão de um se [cítara] feito de bambu. Como solução [...] elas partiram o instrumento em dois e assim obtiveram dois chêng, um com doze e o outro com treze cordas. A presença do instrumento, com doze cordas, na Coréia (o kayakeum), é explicada pela informação adicional de que uma das duas irmãs emigrou para a Coréia, enquanto a outra permaneceu na China.
1.1.2 sôkyoku: música instrumental (danmono, tegotomono) ou vocal (kumiuta, jiuta)?
Gêneros da música tradicional japonesa
•segundo Kishibe (1983:504): religioso, da corte, teatrais, instrumentais e minyô
•Segundo Komiyama (1978:39): instrumental, vocal lírico e narrativo.
•Gêneros instrumentais: “música para koto”, “música para biwa”, “música para shamisen”, e “música para shakuhachi”. (cf. Kishibe 1983 e Malm 1978) – referem-se à especificidade do instrumento característico, indispensável, preponderante ou tido como “mais difícil” no acompanhamento instrumental ou vocal. Por meio dos rótulos haveria uma intenção implícita de afirmar um estilo próprio através de um instrumento adotado de outra cultura. Todos os cordofones japoneses mencionados são provenientes da China, ou via Coréia: biwa, do alaúde piriforme p’ip’a; shamisen, do alaúde de braço longo sanxiàn; e koto, da cítara pranchiforme chêng.
1.2 Estrutura física: Representação de concepcões confucionistas, taoístas e budistas
•formato do ch’in, conforme Sun Yu-ch’in (Walker 1998:3):
“Mesmo sua forma é simbólica. O tampo superior abaulado representa o céu, o fundo plano, a terra. As relações das sete cordas ilustram todas as relações humanas entre os membros da sociedade. Os treze pontos representam os meses do calendário lunar, e as outras partes são nomeadas seguindo as do dragão e fênix [pés, cabeça, crista, língua, cauda], representando as qualidades yang e yin”.
•Outras partes, segundo Lui (1982:183):
“Na parte central traseira há uma cavidade sonora [...] tradicionalmente chamada de poço do dragão; a cinco polegadas da ponta estreita do lado esquerdo do executante [...] há outra cavidade sonora tradicionalmente chamada de tanque da fênix.”
1.3 Individualidade das escolas no modo de tocar
•Diferença dos formatos dos dedais
•Ângulo do executante
•Postura do pulso
1.4 Simbologia das afinações
Hirajôshi: sistema da paz, d-e-f-a-bb
Kumoijôshi: sistema da nuvem profunda
Nogi-chôshi: sistema do meio da árvore
Gakujôshi: sistema do prazer d-e-f#-a-b
2. Diacronia das escolas Sôkyoku
2.1 escolas antigas
2.1.2 Tsukushi-goto
Enquanto a música gagaku servia à corte, a escola Tsukushi – considerada a criadora da primeira forma variação – atendia à elite budista e aristocrática. Ambas inclinadas à música cerimonial por excelência atendiam às necessidades de uma sociedade feudal, com classes bem diferenciadas.
2.1.3 Yatsuhashi-ryû
• Mudança funcional da zokusô (koto secular): “do meio espiritual e cerimonial para um entretenimento mais secular e mundano […] sem perder seu caráter aristocrático”, sublinha Adriaansz (1983:529).
• Sobre o segundo período de música nacional (que abrange as eras Momoyama, 1573-1603, e Edo, 1603-1868), Kishibe (1983:506) comenta a insurgência de sub strata social:
“As mulheres tanto da classe samurai quanto da classe dos comerciantes, por exemplo, se divertiam interpretando canções acompanhadas do koto de treze cordas, um estilo que inicialmente havia sido estabelecido pelos músicos cegos [tôdô shokuyashiki, sistema corporativo de treinamento profissional para os deficientes visuais em habilidades tais como música, teatro, acupuntura e massagem (Kamien 1976:537). Tal sistema passou a habilitar professores e performers de koto]”.
2.2 correntes seculares vigentes
2.2.2 Ikuta-ryû
•atendeu num primeiro momento à aristocracia, e depois à burguesia em Kyôtô e Osaka. O fundador foi aluno de kengyô Kitajima que, por sua vez, foi discípulo do mestreYatsuhashi.
•Acréscimos: jiuta, ‘canções regionais’ música lírica para shamisen de Kyoto, que passa a ser executada pelo ‘trio musical’ sankyoku, integrado por shamisen, koto e kokyû (cordofone com arco). Somente depois da restauração Meiji, o kokyû foi sendo substituído pela flauta vertical shakuhachi; criação da forma tegotomono e da forma polifônica kaete-shiki sôkyoku, ou kyômono ‘peças de Kyoto’.
•Prinicipais compositores: Yaezaki, Mitsuzaki, Yoshizawa
2.2.3 Yamada-ryû
•fenômeno do distrito Kantô
•Contribuições: Kengyô Yamada, 1757-1817, retomou a valorização da linha vocal, incorporando o estilo narrativo katarimono da música para shamisen, da região de Edo. Contudo, nos novos arranjos identificados como jôruri, o koto também desempenha um papel importante. Enquanto na escola Ikuta o líder toca sangen, na Yamada o líder vocal toca koto. A Escola Yamada reteve a forma interlúdica da Ikuta-ryû adaptando-a para um registro mais agudo, ao adotar a afinação kumoi no lugar da hirajôshi. Entre os poucos tegotomono criados pela escola, o mais conhecido “Miyako no haru” [Primavera na capital] foi composto por Shôin Yamase, 1845-1908. Preservou-se também a forma instrumental do danmono. Na peça em secções “Rokudan”, há o acréscimo de um terceiro koto em um arranjo mais recente da corrente Yamada.
2.3 ‘Escolas novas’ shinsô: ocidentalização e modernização
2.3.2 Restauração Meiji
•Medidas de ocidentalização: músicas e danças européias nas escolas e na corte; dissolução do tôdô shokuyashiki
•Reações de resistência: ocidentalização gradativa da música tradicional; criação do Instituto de Pesquisas da Música Japonesa e a Escola de Música Japonesa; e proliferação de subescolas da Ikuta-ryû com matriz em Tóquio
2.3.3 Miyagi-kai
•Michio Miyagi [1894-56] foi um dos que tentou ampliar o repertório de koto para um sabor internacional, introduzindo elementos ocidentais nas suas composições (escalas e formas européias), como também modernizando o instrumento (invenção do koto baixo).
•Fases da obra de Michio Miyagi (Adriaansz 1973: 21) divide a sua obra em três fases: música de câmera para instrumentos japoneses; Obras orquestrais para instrumentos japoneses; combinou instrumentos
•ocidentais aos japoneses.[...] a idéia de centralidade da cultura japonesa permanece ilesa, metamorfoseando os produtos vindos de fora, miscigenando-os à sua tradição. A identidade nipônica, longe de se esvanecer, se afirmaria, reforçando desta maneira os laços sociais preexistentes (Ortiz 2000:140).
2.3.4 compositores do pós-guerra
•Utashito Nakashima, 1896-1979, é o fundador de uma ramificação da corrente Ikuta, que tem habilitado alguns integrantes do Grupo Seiha Brasil de Koto.
•Principais compositores da Seiha (subescola Ikuta): Seiho Nomura, Genchi Hisamoto, Shinichi Yuize, Akira Morioka, Kimio Eto, Tado Sawai, Seikin Tomiyama, Yasuko Nakashima, Soyo Nakamura e o próprio Utashito Nakashima
3. Notação musical e recursos sonoros
Fig. 1. Tablaturas das escolas Yamada e Ikuta
a) Transcrição
b) edição da corrente Yamada
c) edição Miyagi (corrente Ikuta): leitura vertical, da direita para a esquerda
3.1 Sistema de grade e mnemônicos
“Os recursos mnemotécnicos perduram nos sistemas tradicionais de ensino de instrumentos no Japão, Coréia e China. [...] no caso do aprendizado da flauta Nō, geralmente, as vogais estão relacionadas com os fatores de altura, duração e intensidade enquanto as consoantes refletem aspectos de ataque ou diminuição. Embora possam aparentar certa inconsistência, esses sistemas funcionam bem e realmente são ferramentas de ensino bem melhores do que muitos outros tipos de notação escrita”. (Hughes 1999:57)
3.2 notação das cordas
3.3 recursos da mão esquerda: obtenção de semitom e tom acima ou abaixo da afinação definida pelos cavaletes, portamentos, staccatto, pizzicatto, harmônico
3.4 ornamentos da mão direita: trinado, intervalo harmônico, glissando, nota raspada, dedal para cima.
Referências citadas
Adriaansz, Willem. 1973. The kumiuta and danmono traditions of Japanese koto music. Parte I. Berkeley; Los Angeles; London: University of California.
Edição de Stanley Sadie. London; New York: Macmillan. Vol. 12, p. 336-44.
Hughes, David. 1999. “Common elements in East Asian oral mnemonic systems.” Abstracts: 35th World Conference. Hiroshima: National Committee of ICTM. P. 57.
Kamien, Roger. 1976. “Koto music of Japan.” In Music, an appreciation. New York: Mc Graw-Hill. P. 533-39.
Kishibe, Shigeo e Eichi Kikkawa. 1983. “Japan”. In The New Grove dictionary of music and musicians. 20 vols. London: Macmillan. Vol. 9, p. 504-52; 552.
_____ 1969. The traditional music of Japan. Tōkyō: Japan Foundation.
Komiyama, Wataru. 1978. “A general survey of Japanese vocal music.” In Musical voices of Asia: report of Asian Traditional Performing Arts. Tōkyō: Japan Foundation. P. 39-44.
Lui, Tsun-yuen. 1982. “A short guide to ch’in.” Selected reports in ethnomusicology. 16/1: 179-203.
Malm, William P. 1978. Japanese music and musical instruments. 8ª ed. Tōkyō: Charles E. Tuttle.
Ortiz, Renato. 2000. O próximo e distante: Japão e modernidade-mundo. São Paulo: Brasiliense.
Tranchefort, François-René. 1980. Instruments de musique dans le monde. 2 vols. Vol. 1. Paris: Éditions du Seuil.
Walker, J. L. 1996. “No need to listen!: a conversation between Sun Yu-Ch’in and J. L. Walker.” Parabola. Toronto: University of Toronto.

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